quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Não entre no trem

Adeus! Ela disse adeus. Eu não queria que ela fosse, não queria deixá-la ir, não. "Sentir falta dói", eu queria dizer, na verdade, queria chorar, porque só de pensar doía, como eu poderia me acostumar? Na verdade, seria fácil se eu quisesse, mas eu não queria, eu não quero, eu nunca vou querer.
Porque eu sei, ah, como eu sei! Sei como é deixar-se esquecer, ser esquecida. Não acontece rápido, muito pelo contrário, é um longo e doloroso processo de fragmentação. Não quero minha amizade virando pó e sendo soprada ao vento, por favor, não nos creme assim.
Tanta gente já entrou nesse trem com a promessa de que voltaria, que iria lembrar, mas acabaram envolvendo-se com a viagem, as paisagens, tantas distrações... a distância começa a solidificar-se, altos muros, tantos obstáculos! Eu não consigo alcança-los, não consigo subir tão alto para pula-los. Eu tento tanto, insisto tanto, nado tanto, morro na praia.
Esse trem sempre estilhaçou minha alma, por tantas vezes tentei destruir seus trilhos, todas em vão. Um dia não vou sentir mais quando ele vier para levar alguém para longe, um dia, quem sabe, eu vá partir, partir para longe de mim. Vou me olhar no olhos, já cansada de mim, e dizer:
- Já aprendi a me perder, agora, é a sua vez.
Um dia, vou partir de mim por inteiro no mesmo trem que sempre me levou aos pedaços.

Maré

Muitas vezes comparo-me com a maré, mas sinto que diferente dela, minhas marés altas são passageiras, como um sonho bom. Sinto-me mais familiarizada com a maré baixa, dias iguais, vazio. Mas, ainda sim, algumas vezes o mar insiste em ficar turbulento, águas escuras como a noite, tão frias, mais frias do que a própria solidão.
Nesses dias o sol não ousa brilhar e a escuridão se torna intensa e infinita. Tantas ondas, tantos cortes reabertos, feridas sangrando noite, frio. Não deixe ninguém entrar no mar, não se afogue! Não deixe ninguém se afogar. Pessoas sempre se afogam.
Será que algum dia alguém vai nadar contra essa noite, lutar contra a maré? Mergulhar fundo, de cabeça, trazer a lua e as estrelas para dentro da noite, abraçar o mar e esquentar todo o frio da solidão?
Bom, querido alguém, fique. Se for para iluminar minha noite com suas estrelas, fique. Se for para aquecer minhas águas com seus abraços, te peço, fique. Não ouse vir, me mudar e ir, não traga-me a luz se vai deixar-me no escuro, não faça chover.
Alguém, se fores mudar-me, monte um cais, bagunce meu caos, mas fique.